21 de dezembro de 2012

a escrever o meu livro


Escrever sobre amizade é percorrer mentalmente a enorme lista de pessoas que amo, e me amam. A enorme lista de pessoas em quem penso diariamente, cujos abraços e beijos e vozes são a melhor coisa que existe. A quantidade de pessoas que fazem de mim uma pessoa melhor. O que seria de mim sem as pessoas?
Lavada em lágrimas de saudades.

18 de dezembro de 2012

o colar

Este blog ajuda-me a observar-me. A registar-me e a partilhar-me. Escrevi aqui coisas das quais já nem me lembro. Ficou registado o medo, e espero que nem eu, nem ninguém que tenha acesso ao meu relato do medo, esqueçamos: o medo é talvez a coisa mais perigosa que pode assolar alguém. Deixei-me consumir até ao limite. Nunca me esquecerei do dia em que me sentei em frente ao neurologista e desatei num pranto. Olhei para baixo e vi o colar que tinha escolhido para esse dia, muito colorido, feito de rolhas e trapilho. Fiz o esforço de me pôr bonita no dia em que despejaria para cima de alguém aquilo que de mais feio e assustador me preenchia. Pareceu-me tudo tão irónico. Tive fé de que o médico não se assustaria mas houve um momento em que também ele mostrou horror.

O colar veio comigo para Londres e nunca o usei, em quase dois anos. Hoje lavei-o. 26 de Junho de 2009 é a data que me prende a ele. Para nunca me esquecer. Talvez um dia o deite fora. Lembro-me de conhecer o faneca e ter medo que ele se assustasse um bocadinho quando eu lhe dissesse por que motivo não podia beber muito vinho, o que eram os comprimidos que tomava religiosamente, o que era "não sentir nada". Lembro-me de um dia ele me fazer uma pergunta à qual eu evitei responder e ver nos olhos dele a sensatez de mudar de assunto. Disse a mim mesma  Este rapaz é especial, não é só um holandês que gargalha, come chocolate como eu e adora gatos...
Vim para Londres com menos medo, mas ainda amedrontada. Tinha medo que vários factores despoletassem uma recaída. Vim para cá já desmamada. Tive medo da chuva, do céu cinzento, do primeiro dia em que anoitecesse às quatro e meia da tarde, tive medo de não arranjar emprego, tive medo da língua, tive medo de desenhar, tive medo das prateleiras do supermercado repletas de frascos desconhecidos, tive medo de mim própria. Há dias meti-me no autocarro e quando rumava à Trafalgar Square no meio dum trânsito absurdo, debaixo do céu cinzento, senti-me tão apaixonada por esta cidade. Como me senti em Lisboa na fase euforia-da-medicação. Não é a cidade em si, é o que trago dentro de mim. Vejo a depressão como qualquer outra doença que nos fica alojada e que simplesmente controlamos. Aprendi a viver com ela, com a ameaça da recaída como, imagino eu, um diabético vive com o controlo da alimentação. Há um momento em que se vive tão bem com o que se teve, que o medo desaparece.

17 de dezembro de 2012

ben

Antes de me ir embora do eat escrevi a dez dos meus clientes favoritos. Aqueles de quem iria mesmo ter saudades. Cortei um pedaço de cartão e fiz quadradinhos de 4x4cm. Num lado escrevi esta citação. Do outro lado uma dedicatória pequenina a dizer-lhes individualmente porque me fariam falta. Não consegui entregar os cartões a todos.
O Ben fez a contagem decrescente dos dias comigo. Pouco sabia dele para além de que é advogado, bebe americano ou double espresso, tem um sorriso muito matreiro e sempre olhou para mim nos olhos e me perguntou como estava. No último dia disse-me "So this is it." e eu fiquei com um nó na garganta, ofereci-lhe um último americano, dei-lhe dois bombons de chocolate e o cartãozinho. Ele ficou tão tocado que me entregou um cartão de visita e me disse para mantermos contacto. E que sentiria a minha falta. Eu não consegui dizer mais nada e fugi de perto dele para não chorar.
Hoje escrevi-lhe um email com o link para as minhas ilustrações. Em poucas horas recebi resposta. Disse que tem o cartãozinho na secretária e que o lê quase todos os dias, que sente a minha falta mas que fica muito contente por eu estar feliz. Que adorou as ilustrações e que comprará o meu livro assim que estiver pronto. E por fim disse que me punha em contacto com a prima que trabalhou numa editora.

Também no meu último dia escrevi aos meus colegas e pendurei na parede do staff room um recado. Escrevi que se formos generosos e gentis com todas as pessoas com quem nos cruzamos, todas sem excepção, e não esperarmos nada em troca, descobriremos um dos segredos para se encontrar felicidade e amor-próprio. E é verdade.

14 de dezembro de 2012

chris

Não sei se é a felicidade no presente que me torna tão optimista em relação ao futuro, se vice-versa.

Hoje fui ao eat ver os meus colegas. Estava sentada com dois deles quando um cliente habitual (que lá vai três vezes por dia, todos os dias e nos trata pelo nome) me viu do outro lado da loja. A vida é muito boa quando alguém a quem servimos meias de leite durante meses se lança na nossa direcção para nos abraçar e encher a cara de beijos.

10 de dezembro de 2012

oração

Que nunca me falte saúde para me erguer,
disciplina para me concentrar
criatividade para desenhar
e força, para continuar.


6 de dezembro de 2012

restarting

Fui a uma entrevista ontem, numa casa de chás. Eu e mais três raparigas, entrevistadas em grupo. Não sei quantas perguntas matreiras depois, senti-me safa e exclui mentalmente duas das minhas "adversárias". Foi muito constrangedor ver outra portuguesa acabadinha de chegar a Londres a não conseguir expressar-se, não perceber o sotaque do rapaz que nos entrevistou, ficar confusa e desesperançada. Foi excluida e eu só queria poder ter-lhe dito uma palavrinha de apoio. A outra era húngara. Lá foi ela de vela. Lost in translation como eu há quase dois anos. Há um ano e dez meses. Felizmente em Londres há emprego para quem mal fala inglês, desde que queira trabalhar e nunca deixe de sorrir. E a estaleca que um emprego desses nos dá, meu deus que estaleca. A meio da entrevista o rapaz disse que se passássemos à fase seguinte teríamos que ir para a banquinha deles no mercado em Camden. E que só seríamos bem sucedidas se fizéssemos 150 libras até ao final do dia. Em chás? pensei eu - 150 libras em pacotes de chás?
Depois de uma breve introdução ao produto lá fui eu para a banquinha vender os 40 diferentes chás que eles vendem em embalagens de 100g por 5.20 libras. Parecia impossível mas fiz mais de 160 libras a fazer-me de entendida em chás e a meter conversa com toda a alma viva que me passou pela frente. Tudo é tão relativo quando nos apercebemos que nada é mais importante do que ser feliz e saudável. Nada me preocupa, nada me chateia, digo a mim mesma. Nada me abala enquanto me sentir tão bem. O frio que faz nesta cidade chegou-me aos joelhos e congelou-mos ao fim de seis horas em pé.
Passado o "stall trial", fui hoje para uma das 3 lojas que eles têm no norte de Londres. Isso sim foi um desafio. Como é que se desce do cargo de "trainer" para principiante? Despi-me de tudo o que sei, fingi que não sofri uma lavagem cerebral em higiene e segurança no trabalho nos últimos vinte meses, tentei não julgar, não discordar e segurei a vontade de corrigir as pessoas que me estavam a treinar, sobretudo uma menina pouco paciente e muito mandona que me orientou durante o dia. Saí de uma empresa com mais de 120 lojas e entrei numa com 3. Tentei concentrar-me em tudo o que era novo e tudo em que eu sou, de facto, uma principiante. Tentei não limpar e desinfectar tudo o que sei que lhes garantiria muito maus resultados numa auditoria.
Entretanto veio-me o período, vim para casa, consumi uma dose incalculável de chocolate, ouvi músicas lamechas e chorei de saudades da minha antiga equipa. Digo a mim mesma por que razão saí do eat, por que me candidatei a um part-time, por que motivos é que eu voo livre de medos. Eu já vivi consumida pelo medo. Parei de conjugar o meu futuro no futuro. Hoje digo a mim própria e aos outros que sou ilustradora e que estou a escrever e ilustrar um livro. Esse é o meu outro part-time. Por enquanto.

30 de novembro de 2012

em cada fim um recomeço

Foi pouco depois de ir à Holanda, talvez tenha sido mesmo lá. Conheci a família do meu holandês e de repente vi-me. Também houve um dia em que fomos ver vacas no meio dum parque e eu conversei com elas. A Holanda redefiniu-me. Penso muitas vezes no faneca como sendo uma metade minha que encontrei. Uma metade que eu não sabia que me faltava. Quando olho para ele e penso no que ele me faz sei perfeitamente porque é que as pessoas fazem juras de amor eterno, se pedem em casamento, casam. Olho para ele e para o que ele causa em mim e entendo tão bem porque é que se escrevem músicas de amor lamechas. E poesia. Não lhe digo estas coisas porque sei que ele vai revirar os olhos e gozar comigo, mas até esse revirar de olhos, esse nunca me levar demasiado a sério faz dele a minha outra metade. Eu acredito que uma relação (qualquer relação) só faz sentido se nos fizer melhores indivíduos do que se estivéssemos sozinhos.
Voltámos e aos poucos fui-me vendo. Veio uma alegria de ser, de ser eu mesma, de não fazer mal a ninguém, de na maioria das vezes fazer bem. Isso passou para o trabalho, para os colegas, para os clientes, para todas as pessoas que amo e para as que não amo também.

Há duas semanas a minha gerente mentiu-me e tentou manipular-me. E aquilo que inicialmente se manifestou como revolta dentro de mim, rapidamente se tornou nítido, tão nítido quanto tudo o resto que ultimamente eu andava a ver e sentir. Ela estava, a empresa estava a empurrar-me para o meu limite. De todas as coisas a que me adaptei, todas as coisas que fiz durate um ano e oito meses no eat que não tinham de todo a ver com aquilo em que acredito, uma nunca deixei que fosse corrompida. Quando ela me empurrou para o limite entre o amor e o medo, eu vi nitidamente o que fazer. Demiti-me.
Foi como se ela me estivesse a empurrar e no precipício se me abrissem umas asas. E para surpresa dela, minha e de todos, eu voei tão livre e tão segura que só isso, e mais nada, fez sentido.

18 de julho de 2012

foi buscar-nos ao aeroporto

Eu estava sem óculos e já era quase meia noite quando chegámos lá fora. Não consegui vê-la no escuro porque faz praia desde Maio e está mulata, só ouvia os gritos e via um vestidinho azul voar na minha direcção. Depois vi o sorriso e depois já a tinha enrolada nos meus braços, eu gigante e ela tão franzina comparada comigo, quando a abraço parece que se esconde na minha caixa torácica e lá fica guardada. De repente deixou de existir o ano inteiro que passamos sem nos abraçar. A minha irmã.

17 de junho de 2012

sonho de um holandês num domingo de manhã

Ele acabadinho de acordar, eu aqui no computador há horas.

"Eu sonhei que estávamos sentados aí à mesa e que ouvíamos movimento na cama. Eu olhava e eras tu. Então pensei, ah, como é que estás aqui comigo e na cama ao mesmo tempo? Estou a sonhar. Ah, se estou a sonhar vou fazer um teste e voar um pouquito. E então eu voava como Jesus, tipo a 20cm do chão. E pensei epá, foda-se, estou a sonhar!"

portugal dos pequeninos

Já o disse antes. Quanto mais longe de Portugal, melhor lhe vejo as coisas boas. Podia ter um qualquer trauma relacionado com as últimas experiências que vivi em terras tugas, como a depressão, ou as dificuldades financeiras, ou o facto de ser tão difícil ser artista hoje em dia, renhonhó... e a crise. Mas não.
A verdade é que quando me projecto no futuro, vejo-me em Portugal. Felizmente o holandês também nos projecta lá, e é por isso que eu me vejo ainda mais nitidamente em Lisboa. Nós, um bebé, um cão (weeeeeeeeeeeeee! who cares about children?), um gato. E relva para nos rebolarmos, que eu estou em Londres há mais de um ano e isto dos espaços verdes entranha-se-nos.

No dia em que o meu pai me perguntou (agoniado com a visão da sua filha fugir para Londres sem nada planeado) vais fazer o quê, lavar pratos? eu disse sim, que se for para lavar pratos e servir às mesas, ao menos que seja noutra cidade, noutra rotina, a ver outras coisas. E assim é. Não por mágoa do meu país, simplesmente porque assim precisei que as coisas acontecessem. Londres é um retiro, um processo de amadurecimento. Cada dia que passa gosto mais do T. e às vezes isso surpreende-me a mim própria. De onde vem tanto amor? Estarei eu ainda embriagada, depois de dois anos e meio? Não há ninguém no mundo com quem eu me dê tão bem.

Agora que já descambei para a lamechada (sou uma blogger muito enferrujada), volto ao que me fez escrever hoje. Tantas vezes me referi a Portugal como portugal dos pequeninos. Mas há tanta coisa boa, tanta coisa que só quando estamos assim longe podemos observar com clareza. Hoje senti uma alegria profunda porque estou a planear as férias e só me apetece esbanjar em Portugal o que amealho a trabalhar aqui, com a intenção sincera de investir na economia do meu país. Comprar só 100% português. Comer gaspacho em Faro com a minha Di. Chegar a Alfama e embebedar-me com sangria, pagar para ouvir cantar o fado, comprar um trapinho na loja da Pipoca ou uns speedos na loja do Jacob e do Bruno (porque há gente que tem tomates para abrir negócio em tempo de crise).

Ontem comecei a escrever e arquivar os meus projectos para quando voltar a Portugal.


11 de março de 2012

um ano. o tempo voa

Há um ano eu ainda não tinha emprego. Procurava diariamente e respondi a anúncios que somente o desespero justifica, de quando cada euro convertido em libra parece desaparecer, e cada libra desaparece ao fim de uma viagem de autocarro ou um café de merda. Uma libra e meia por um expresso, e não conseguir tomá-lo. Houve momentos em que a minha zona de conforto me parecia estar tão longe, mais propriamente na máquina da Delta que tínhamos na cozinha em Alfama.
Em Março, ao fim de quase dois meses, a terceira entrevista de emprego deu frutos. Comecei a trabalhar no dia 28.
Hoje sou kitchen leader. Há um mês vi pela primeira vez cairem-me mil libras limpas na conta bancária. Londres é a minha casa e a minha vida é vivida de mão dada com o meu melhor amigo e meu amor.
Na loja somos dez pessoas. Conseguimos dar-nos muito bem e apesar de todos os momentos lost in translation, sinto que me conhecem. Sabem muito bem o que significa, e preparam-se para o meu mau humor quando me ouvem um "tenho muita fome" no meio de um turno em que não há tempo sequer para beber água. O trabalho é duro. Fisicamente exigente e desgastante psicologicamente. Neste tipo de empresa só se safa quem tem muito bom humor e resistência. Os "fracos" desistem ao fim de quinze dias, porque há coisas que podem ser vistas como desumanas. Apesar de tudo, gosto do eat. Mas não é lá que me vejo daqui a um ano. Tento absorver tudo o que este emprego me tem proporcionado de bom, e desviar-me agilmente das coisas más que se me dirigem. O desperdício é uma coisa com a qual eu nunca estarei confortável... o desperdício e todos os recantos escuros e muito sujos que o capitalismo esconde.
Começo a sentir, quase um ano depois, que já aprendi tudo o que havia para aprender nesta empresa, e que subir de cargo só me embrenhará mais na teia hierárquica que tão bem a sustenta.

Um ano depois. Já tenho a tão importante experiência de trabalho no Reino Unido que a maioria dos postos de trabalho exige. Sinto-me em casa e sinto-me inquieta porque começo a perguntar-me demasiadas vezes o que se segue. E aqui as possibilidades são tantas.

25 de fevereiro de 2012

todos os dias

O despertador toca às 4h45. Há dias em que acordo pouco antes dele tocar, há dias em que não acredito que já está na hora, desejo desistir de tudo e a única coisa que parece fazer sentido na minha vida é voltar para a cama. Visto-me em frente ao aquecedor.
Saio de casa entre as 5h10 e as 5h13. Se sair mais tarde posso perder o autocarro, o que significa chegar à loja às 6h02. Normalmente chego às 5h43. Mesmo antes de atravessar a passadeira, dou um toque para o telefone da loja. O William está no escritório a pôr dinheiro nas caixas registadoras, vem de lá de baixo com duas ou três gavetas nas mãos, pousa-as no balcão e vem abrir-me a porta. Todos os dias me dá um sorrisinho, apesar do sono.
Ligo a vitrine quente. Sou a responsável pela comida quente na nossa loja. Faço um chá e vou para baixo. Entro na cozinha, ligo a música, ligo o forno a 190 graus, ligo a enorme panela de água quente onde aquecemos a papa de aveia, as sopas, o puré, o arroz, os caldos. Pego em três tabuleiros de levar ao forno. Tiro do congelador os croissants, os croissants de amêndoa, os croissants de chocolate, os folhados de canela, os folhados de nozes. Ponho-os no forno com cerca de dez baguetes. 19 minutos. Vou vestir o uniforme. Volto a vestir o casaco e o cachecol. Entro no frigorífico e rezo para que os sacos de papa de aveia estejam num dos cestos de cima. Todos os dias verifico o que foi entregue durante a madrugada. Pilhas de cestos de comida, pacotes, caixas. Menos de cinco graus no frigorífico. Onde está a papa. Porridge, porridge, porridge. Levanto e transfiro os cestos de um lado para o outro em busca do saco branco e do saco azul. Tudo é frio e húmido e pesado e eu já tenho músculos visíveis nos braços e nos abdominais graças a esta tortura diária. Todos os dias o meu colega que faz os cafés vai lá a baixo buscar leite e dá de caras comigo dentro do frigorífico. Natachinha, diz ele. Muitos me chamam Natachinha porque é assim que eu falo de mim na terceira pessoa.
Encontro a porra da papa e meto-a na ketle. Posso finalmente tirar o casaco e o cachecol. As minhas mãos cheiram a congelados (peixe). Lavo-as pela já segunda vez. Passo o dia a lavar as mãos. Vou ao escritório onde a lista da entrega já está na impressora à minha espera. Os folhados já estão cozidos. Por essa altura já chegou uma quarta pessoa que os leva para cima. O café abre às 6h30. Eu terei de voltar ao frigorífico, mas antes preparo o acompanhamento para a papa. Às 7h a papa tem de estar acima de 80 graus. Faço as porções. Um saco dá para 8 grandes e 8 pequenas. Há um cliente que todos os dias chega às sete para pegar no seu small plain porridge and a small skinny latte. Reutiliza o saco, e não precisa de colher. Gosto dele.
Todos os dias. De segunda a sexta, todos os dias.

12 de fevereiro de 2012

o escaravelho

Lembro-me de nas profundezas da depressão, um dia olhar para um escaravelho que estava a apanhar sol numa das plantas da minha mãe. Os dias de sol e as coisas bonitas são como ácido para quem está na escuridão da doença, porque multiplicam a dor e a culpa de não se conseguir gozá-los. Senti um sincero desejo de ser aquele escaravelho. De simplesmente existir, de não ter consciência e de apenas apanhar sol, numa folha verde. Depois disse à minha mãe "Algo está muito errado no meu mundo, quando sinto inveja dum escaravelho".
Um dia, para o meu próprio e único bem, perguntei-me por que não. E decidi ser escaravelho.
O que é que era tão importante, tão mais importante que o meu próprio bem-estar, a minha própria saúde, a minha própria vida? Tentei recordar-me de como tudo começou, onde é que eu estava a ir mesmo, antes de cair no poço fundo em que me via. Para me libertar e voar dali para fora, despi-me do pesado e pegajoso cobertor do socialmente correcto. Apercebi-me de que nenhum mal vem ao mundo se eu decidir ignorar todos os padrões pelos quais os outros (e eu própria) me medem e julgam. Simplesmente ser. Porque sim.

9 de fevereiro de 2012

ele estava a ver os simpsons

Soltou uma gargalhada. E depois outra. Estava sozinho na sala e eu estava na cozinha. Ainda não vivíamos juntos. Mas foi nesse dia que eu desejei viver com ele para o resto da minha vida.

24 de janeiro de 2012

note to self

Sorrir.
Dar beijos e abraços. Se não há família e melhores amigos por perto, há colegas de trabalho receptivos.
Fazer alguém rir.
Brincar e gargalhar.
Celebrar as mais pequenas coisas.
Tomar um bom pequeno almoço.
Passear e ver coisas.
Ouvir música.
A felicidade pode estar mais perto do que se imagina.

17 de janeiro de 2012

cream tea

Cream tea. Ou "a ignorância emagrece".
Ninguém viveu a sério até comer um scone carregado de natas coalhadas e compota de morango, acompanhado de chá. Eu comi o primeiro aqui, e desde então é ver-me fazê-los em casa e devorá-los às dúzias. Este país está a entranhar-se-me no sangue (as análises di-lo-iam, se acaso as fizesse). Até já prescindo do café, e tomo um chai com leite.
Se não fossem as escadas do trabalho e as trezentas vezes que as subo e desço diariamente, não sei... não sei não.

Acho que já estão cozidos. Adeus.

11 de janeiro de 2012

onze de janeiro de dois mil e doze

Choro baba e ranho de saudades da minha avó.

6 de janeiro de 2012

dia a dia

O despertador toca e eu não sou eu. Às 4h45 acorda uma parte de mim que é pessimista, que quer fazer birra de sono e de frio. Que quer demitir-se e que tem inveja do holandês que ainda vai dormir mais três horas. Às cinco da manhã sou branca como cal. Em 2011 este corpo não viu praia. As olheiras têm cor e relevo. A viagem de autocarro é tão rápida, quando se tem sono. Depois chego ao café vou directa para o frigorífico...

O resto de mim acorda por volta das nove. Todos os dias me sinto grata por trabalhar com pessoas amorosas, e por ninguém se chatear com as minhas palhaçadas. Todos os dias faço um esforço consciente por ser gentil com todas as pessoas com quem me cruzo.
O meu inglês é fraco. É incrível como noutro país, noutra língua, somos outras pessoas. Os meus colegas concordam comigo. Um colombiano, um francês, uma costa-riquenha, uma checa, uma polaca, um italiano, um espanhol. Enrolar os Rs, fazer soar os Hs. Distinguir beach de bitch, sheet de shit. Em Portugal i é i. Expresso-me mais do que nunca por imagens, por gestos, porque as palavras não me vêm à cabeça, muito menos à boca. O meu sotaque é outro, a minha voz, provavelmente também. Pareço ainda mais estúpida. Ainda assim, sinto que as pessoas gostam de mim. Tenho conhecido pessoas maravilhosas. Delicio-me com a disponibilidade que a maioria das pessoas tem para sorrir. Para falar descontraidamente com estranhos, para dizer uma graçola. Hipócritas ou não, dizem muitas muitas vezes desculpe, com licença, por favor, obrigada. Adoram filas. Nunca vi nada assim. O londrino adora uma fila e respeita-a religiosamente, e às suas regras intrínsecas, às variações, às filas duplas, à ordem de chegada. Nesta cidade, quem vê uma fila, mete-se nela (!). Diz a minha amiga Paz que podemos começar uma fila para lado nenhum, a qualquer momento, que com certeza alguém se vai meter nela sem saber para que é.
Há coisas de Portugal que se vêem muito melhor ao longe. Todos deveríamos experimentar sair de casa, de país, de língua. Para depois voltar, ou não. Mas para ver melhor. Para dar o devido valor às coisas.
Sou muito feliz em Londres.